No início da década de 2000, um curioso fenômeno cultural tomava forma em Vitória da Conquista, capital do sudoeste baiano: uma consistente cena musical parecia ter surgido repentinamente, com shows e bandas de rock locais se multiplicando com uma rapidez nunca antes testemunhada na cidade, nacionalmente conhecida artisticamente pela tríade Elomar, Glauber Rocha e Xangai, cujas obras remetem às temáticas rurais, enfatizando a dureza e as belezas do sertão. O novo movimento, por sua vez, revelava uma expressividade musical  essencialmente urbana, politizada e conectada com os acontecimentos mundiais, em um tempo de profundas descobertas tecnológicas. O início da popularização dos computadores pessoais, da internet e suas primeiras experiências de redes sociais e comunicadores instantâneos, as câmeras digitais e o formato MP3 possibilitaram a interação entre jovens de diferentes bairros, escolas e classes sociais, tendo a música como grande elo. Tinha início a era de ouro da cena rock conquistense.

O vale-camiseta da segunda edição (2002) é guardado com carinho por muitos.
O rock, em sua essência, sempre foi underground: de suas origens nos EUA dos anos 1950, como um grito de libertação jovem contra a "caretice" das gerações anteriores, marcadas pelo trauma das duas Grandes Guerras, até hoje, o gênero soube se adaptar muito bem a cada novo contexto que encontrou: a Inglaterra absorveu a rebeldia e ousadia de nomes como Elvis, Chuck Berry e Muddy Waters e devolveu à altura, com a Invasão Britânica. No Brasil, o rock nasceu com a "ingênua" Jovem Guarda, mas logo descobriu sua própria identidade com Os Mutantes, Raul Seixas, Casa das Máquinas, O Terço, Legião Urbana, Barão vermelho, Titãs, Cólera dentre muitos outros. Em Conquista, o rock também foi  sempre marginal, ocupando espaços de forma tímida e alvo de inúmeros preconceitos. Nesse período, porém, os "camisas pretas" passaram a reivindicar suas questões e demandas com mais ênfase. Foram shows em pátios escolares, associações de moradores, lojas maçônicas, residências e palcos ao ar livre. Àquele momento era impossível definir o número de bandas com exatidão. Já se tornava difícil, para a sociedade mainstream ignorar a presença da cena.

Surge então, em 2001, o maior evento de rock local já produzido na região sudoeste. O AGOSTO DE ROCK prometia uma experiência única, em dois dias de evento no Sítio Viver, à época nos limites da zona urbana, inspirando o apelido de "Woodstock conquistense". Foram dois dias de evento, 12 bandas, incluindo de Ilhéus, Jequié e Poções, com ampla divulgação no rádio, televisão, internet, em uma época em que Conquista não fazia parte do circuito de bandas de pop-rock nacionais, limitando-se, em sua maioria, a shows de axé. O rock sequer tinha acesso ao circuito de bares noturnos locais, exceto pela atuação desbravadora de alguns membros da cena, no formato voz-e-violão. O AGOSTO reuniu toda a juventude roqueira em um fim de semana de música, palestras, exibição de vídeos, em um clima de fraternidade e paz.

A programação do primeiro AGOSTO DE ROCK.
Muitas bandas, cada uma seguida por sua própria legião de fãs, consolidaram seu lugar na cena com sua presença. O festival (que referenciava, ao mesmo tempo o "gosto" da cidade pelo rock e o mês de realização do evento) foi um grande marco que elevou o patamar da cena conquistense perante as demais manifestações artísticas: o rock local não era mais apenas uma mera gritaria de molecada: era um verdadeiro movimento cultural essencialmente jovem, com sua própria linguagem, valores, intenções, acolhida também por gerações anteriores e representada consistentemente perante a sociedade, sobretudo através do programa O Som da Tribo, apresentado e produzido pelo radialista e agitador cultural Miguel Côrtes Filho, semanalmente, nas ondas FM da mais antiga emissora da cidade.

Folder do primeiro Point do Rock (2002)
O burburinho do festival incentivou a produção de mais e mais eventos independentes. Havia shows de rock acontecendo semanalmente na cidade. Os "camisas pretas" eram vistos aos bandos caminhando pelas ruas do centro, despertando a curiosidade de muitos. Assim, o rock passou a ser reconhecido e acolhido também pelo poder público, inaugurando, em 2002, o Point do Rock, palco dedicado à cena rock em plena micareta, destacando a multidão vestida de preto em meio aos abadás coloridos. A produção do AGOSTO também acolheu a iniciativa, participando ativamente da curadoria das bandas e da produção. Meses depois, acontecia a segunda edição do festival, novamente no Sítio Viver, repetindo a identidade visual, inserindo-se apenas a imagem da homenageada da vez, Janis Joplin, em lugar de Raul Seixas, homenageado da primeira edição. Manteve-se a quantidade de bandas da grade (12), adicionando mais uma, selecionada por votação no 2º Rock de Subúrbio, evento que contou com mais de vinte bandas decididas a lutar no palco por uma vaga no AGOSTO

Outra novidade da segunda edição foi a Tenda Techno, que ocupou o espaço entre as bandas com música por horas a fio. No casting, bandas de Conquista, Poções, Jequié, Ilhéus e Salvador dos mais variados subgêneros, do punk ao pop. Na tarde do sábado, palestras, performances e outras comunicações. Confira, abaixo, uma longa reportagem realizada pela TV Sudoeste durante o evento:


Após a segunda edição, era nítida a sensação de que a cena crescia ainda mais rapidamente. Não eram raros os relatos sobre pessoas de fora do movimento comprando camisetas usadas do AGOSTO para o uso como um símbolo de status. Para a terceira edição, todos sentiam a necessidade de mais ampliações, que foram atendidas. 

O primeiro grande impacto foi a mudança na identidade visual: o novo logotipo era mais limpo, e a camiseta, símbolo máximo do festival, também surpreendeu, em duas versões (branca e vermelha), sem a imagem do homenageado da vez, o pernambucano Chico Science. Desta vez a grade contava com onze bandas, distribuídas em três dias de evento, no Rancho Uchôa. Pela primeira vez, um evento de rock conquistense contava com uma headliner, a banda paulistana Tihuana. Também no casting, bandas de Salvador, Conquista, Ilhéus, Jequié, Vitória (ES) e Lagartos (SE).

Folder do AGOSTO 3, com o mapa do local ao verso.

AGOSTO DE ROCK de 2003 foi a última edição realizada, deixando para os que o vivenciaram a sensação de que fizeram parte de algo realmente notável. A partir de então, o festival entrou para o imaginário coletivo, inspirando boas memórias e até mesmo outros eventos de grande importância para a cena da região. O rock conquistense continuou se desenvolvendo, paralelamente aos recursos tecnológicos e as transformações da indústria musical. Novas bandas se formaram, mas algumas históricas continuam ativas, produzindo suas próprias músicas e seguindo em frente. 

Em 2024, o AGOSTO retorna ao seu merecido posto de mais importante festival de rock da região sudoeste baiana, celebrando a história e seus simbolismos, ao mesmo tempo em que acolhe as novas gerações de músicos e amantes do rock. Uma nova fase da cena rock conquistense se inicia agora. Junte-se a nós no GRUPO DO WHATSAPP, envie suas mensagens, fotos e vídeos de época, reveja velhos amigos e nos encontraremos em 30 e 31 de agosto. Se você não for... Azar o seu!